Sempre achei que, para alguém se dispor a fazer um ensaio como este, com pouquíssima roupa, e o resultado ficar interessante pra quem vê, tivesse que estar rolando algo muito maior do que simplesmente um corpo em forma. Sofia vivia inquieta, várias vezes me falava que queria fazer algo diferente, que estava disposta a fazer um projeto comigo, que queria se arriscar mais. Mas demorou pra entender o que estava acontecendo e finalmente formular que ela se sentia bem e queria registrar aquele momento desta forma... Pra mim era importante que as imagens carregassem uma essência do que ela é – ao menos, do jeito que ela se mostra pra mim. Olhando as fotos prontas, percebo que muito do que vejo diariamente está ali: seu sorriso fácil, o olhar vivo, a graça no jeito de se colocar e se mexer. Mas muito além da beleza e bem-estar, vejo nas poses uma ousadia e um desprendimento raros na Sofia de pouco tempo atrás. Sentir a mudança dela ao longo dos três últimos anos foi um dos maiores presentes que já recebi. Conheci a Sofia muito menina, longe de ser a mulher que aparece nas fotos. Apesar disso ser uma evolução gradual, tenho certeza de que algo aconteceu no processo do ensaio. Tínhamos um pouco de receio de que a mágica não acontecesse, que o projeto não rolasse, era um ensaio de risco. Mas, na hora de fotografar, alguma coisa que existia ali finalmente ficou pra trás para dar espaço para algo novo, e sinto que essa foi uma das coisas mais lindas que já vi acontecer. Quando comecei a comentar com as pessoas sobre o ensaio que tinha acabado de fazer, algumas (não muitas) chegaram a questionar meu ato de expor minha namorada e nossa intimidade numa revista. Nunca enxerguei problema algum nisso – nada mesmo, nem uma ruga de preocupação. As fotos que tínhamos em mente eram, acima de tudo, parte de um projeto de duas pessoas que se amam. Que vivem intensamente o outro, e que têm uma cumplicidade e energia tão grandes, que era preciso transbordar isso de algum jeito. O que é bonito tem que ser visto, precisa ser compartilhado. O fato é que nos divertimos demais fazendo estas fotos, rimos pra cacete, selamos planos malucos e nos conhecemos ainda mais. Acima de tudo, fica essa sensação de um novo horizonte aberto – e como é bom ver nos olhos dela a euforia e a ansiedade que isso causa. nome Sofia Angeli idade 25 anos nasceu em... São Paulo. “Vivi sempre nos arredores da Vila Madalena.” o que faz da vida? “Sou formada em educação física, trabalho com isso há um bom tempo. Dei aula em escolas para crianças e em academias.” gosta do agito de São Paulo? “Sempre morei aqui e acho difícil me ver em outro lugar que não seja um centro urbano caótico como este.” como foi fazer um ensaio nu? “Amei fazer porque foi um processo de descobrimento interno bem interessante. Nunca havia feito absolutamente nada desse tipo, pois sou muito tímida – ou era [risos]. Cheguei a duvidar se conseguiria realmente me sentir confortável, mas, durante o ensaio, libertei a Sofia real que eu tinha lá no fundo de mim. Essa descoberta de quem eu sou e posso ser foi uma experiência incrível e, de certa forma, necessária.” como seu pai recebeu a notícia? “Numa boa! Na verdade, quando fui contar pra ele que faria o ensaio, o chamei pra almoçar, e ele tava achando que o assunto era mais sério, algo tipo ‘pai, estou grávida!’. Quando falei do ensaio ele caiu na gargalhada.” alguma mensagem para o leitor? “Sintam-se, descubram-se, se libertem e sejam muito felizes! Ah, e curtam o ensaio! ; )” Styling Satomi Maeda, com agradecimento a Renata Gregori / Produção de objetos Fernando Zuccolotto / Tratamento de Imagens Evandro Malgueiro / Finalização Vagalume Animation Studios / Moda Cohn, Diesel, Doc Dog, Espaço Fashion, Hering, Loungerie, Miezko, Skull para Cartel 011, Thais Gusmão, Trifil, Verve / Locação Maksoud Plaza Hotel – www.maksoud.com.br / Aluguel de carros V8 e Clássicos / Agradecimentos Henry Maksoud Neto, Chris Melo, Heber Conde, Yohann da Geb, Luciano Iritsu, Fabi Gimenez, João Wainer, Rodrigo Toledo
“Foi uma descoberta incrível”
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Sofia Angeli
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Mariana Goldfarb
“Sou extremamente preguiçosa... não faço nenhum esporte, academia, nada... nem tenho tempo.” Pois é, a clássica pergunta “como você cuida do corpo?” recebeu uma resposta inesperada. “Mas... nada mesmo?”, insisto. “A única coisa que eu faço é evitar comer muito à noite e, no máximo, andar de bicicleta pelo calçadão no domingo.” Mariana é assim. Nasceu e viveu em frente à praia da Barra da Tijuca cada um dos seus 21 anos e tem uma conversa soltinha, soltinha, com a sinceridade típica da idade. “Quando cheguei pro ensaio eu estava um pouco nervosa, até porque tinha comido pra caramba nos dias anteriores, por conta da ansiedade.” De novo sincera. E é assim o tempo todo. “Precisei beber pra relaxar... acho que pedi umas sete caipirinhas [a produção contou três], ajudou bastante. E não vejo problema nenhum nisso, até gosto.” Solteira há apenas um mês, Mari Goldfarb admite que estar descompromissada deixou tudo mais fácil. “Me senti livre. Se estivesse namorando, não sei como seria...” E assim ganhamos o privilégio de publicar o primeiro ensaio sensual desta menina do Rio. Na verdade, e agora sendo sincero com você, leitor, o segundo ensaio. “Já tinha feito antes com namorado, mas me arrependo.” Quem estava na praia no dia das fotos percebeu claramente como a garotinha que chega tímida cresce de forma impressionante em frente às câmeras. E mesmo nas fotos mais, digamos, reveladoras, Mari transparece a mesma naturalidade presente em cada resposta que deu a este repórter. A sensação que fica é de que a vida da menina sardenta está prestes a dar uma virada. A faculdade de comunicação foi a segunda que ficou pra trás – já tinha largado a de direito –, desta vez por conta do aumento significativo dos convites para atuar como modelo. Fez oficina de atores da Globo e está em fase final de negociação para apresentar um programa de esportes no Multishow ou no canal Off. "Se estou a fim de fazer algo, faço. Sou irracional para certas coisas. Não passo vontade” Assim que conseguir pagar suas contas, também quer deixar o apartamento em que mora com o pai, a mãe, a irmã mais nova, de 18 anos, e o yorkshire Bruce. “Quero ficar mais livre, e na casa dos pais sempre falta um pouco de privacidade.” O objetivo pode estar perto. Um automóvel, um de seus sonhos de consumo, já está garantido. “Quando fiz 18 anos, meu pai me ofereceu um carro, mas eu não quis, queria comprar eu mesma. Agora consegui juntar o dinheiro, mas ainda não tenho carteira de motorista”, conta, rindo de si mesma. E, na sequência, manda mais uma ideia reta: “Sou bem pé no chão e quero ter minhas coisas o mais rápido possível”. E sai muito pra balada, Mari? “Não, não gosto. Mas agora, que estou solteira, me obrigam a sair! Meus programas preferidos são outros. Adoro, por exemplo, ir pra casa de alguma amiga e ficar bebendo cerveja, comendo nuggets e dando risada.” E praia, o tema desta edição (e do ensaio)? “Adoro, acho praia fundamental na vida de todo carioca. Na verdade, de todo brasileiro. Gosto muito de tudo relacionado ao mar, afinal fui criada na praia.” E é sempre tão espontânea como pareceu nesta conversa? “Olha... sou muito irracional pra certas coisas. Não penso muito antes de fazer, se tô a fim, vou e faço. Não passo vontade.” Que bom.Mariana Goldfarb quer o mundo. E quer agora. A carioca de 21 anos nasceu e vive em frente ao mar e, crescendo como modelo e prestes a ganhar um programa de TV, está pronta para decolar: “Quero ter minhas coisas o mais rápido possível”
Coordenação geral Adriana Verani / Produção Flavia Fraccaroli e Olivia Nachle / Styling Dulce Bernardi / Make&Hair Jesus Lopes / Assistente de foto Fabian Alvarez / Tratamento de imagens André Cossich / Agradecimento Associação Naturista de Abricó – ANA / Créditos de moda Bathiana, Bum Bum, CCM, Lenny, Monica Pondé, Salinas
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Stella Chinelli
A certa altura do filme Um bonde chamado desejo, baseado na peça de Tennessee Williams, Marlon Brando grita, na voz mais alta possível: “Steeeeeeella!”. Olhando estas fotos, só nos resta fazer o mesmo. Gaúcha de nascimento, copacabanense de coração, vivendo na Rocinha há três meses e feliz da vida, Stella Chinelli faz pensar em uma das palavras mais lindas da língua portuguesa: abundância. Parece quase imortal com aquela pele bronzeada (as sardas!), o olhar marrento, os dentes brancos, os peitos suaves. Escrever sobre Stella é falar de seu corpo, de sua energia à flor da pele. Uma pele dourada, como só tem quem usa o corpo mesmo, com aquela potência de 21 anos vividos ao sol, no vento, na onda quebrando, na grama do campo de futebol. Stella tem algo de inatingível. É de uma família tradicional carioca, os pais são advogados. Viveu 20 anos na avenida Atlântica, o cheiro do mar entrando pela janela todos os dias para acordá-la, pegando onda no Arpoador. Sempre foi das rebeldes: as camisetas furadas, o olhar apurado para o asfalto e as ondas, o cabelo bagunçado, as festas só para mulheres, as tatuagens que contam histórias. Usa o skate como meio de transporte, para chegar na escola com os cabelos ao vento. Fala da sensação de deslizar pela rua com aquele brilho nos olhos, o coração mole de quem ama o asfalto duro. Desce as Paineiras da Tijuca, circula na orla de Ipanema de biquíni com os amigos, orgulhosa dos roxos. Na ESPM do Rio, onde cursa publicidade (com notas sempre altas, faz questão de deixar claro), chega sem maquiagem, de shortinho rasgado e camiseta suja, com o skate na mão. Pássaros tatuados no braço. “Sou a miss da faculdade!” E ainda tem a Elisa, sua namorada há um ano e oito meses. Uma morena de 31 anos, com boca carnuda e um baixo Rickenbacker tatuado no antebraço. Foi Elisa, baixista, quem levou Stella para a música, para cantar; foi com ela que aprendeu a gostar de metal e montou a banda Catrinaz. Descobrimos Stella em um documentário sobre a criação da banda, que estreia por agora no canal Bis. Nos trechos que vi, ela lambe a boca de Elisa, começa a baixar a calcinha. Interessante! Há dois meses, Stella deixou os janelões da avenida Atlântica por uma outra vista do mar, na Rocinha. Sem muita grana, ela e Elisa decidiram trocar a zona sul do Rio, onde moraram a vida toda, pelos aluguéis mais razoáveis da comunidade. Lá acharam sua casa, dividem o PF do boteco da esquina, compram fruta na feira (“Uma dúzia de tangerinas por R$ 1,50, mais uma pro gato!”). É lá que Stella enche a namorada de batom e que as duas se fotografam para postar no Facebook, com aquele exibicionismo alegre e honesto do amor jovem. Desde que a fotografei para este ensaio, ela fica me infernizando com mensagens, de preferência na madrugada, quando pessoas sensatas como eu dormem. “e as fotos? como estão? omfg.” “tô indo para são paulo.” “sonhei com você. caramba. você tem instagram?” É esse o lance com Stella: uma energia contagiosa.Com 21 anos de onda, skate e cabelos ao vento, a garota que trocou Copacabana pela Rocinha para viver com a namorada (e parceira na banda Catrinaz) é pura energia
Coordenação geral Adriana Verani / Produção Flavia Fraccaroli / Estilo Bertolacinho’s / Make&Hair Christian Mourelle / Tratamento de imagens RedFishBlack Retouching / Agradecimentos Oh Lord Intimate e Tigra Lingerie
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Fernanda Mayrinck
Acho ótimo. Vamos falando até a gente se perder... Adoro me perder. Eu e Fernanda conversamos, nos perdemos, em um restaurante natureba e cheio de verde, do jeito que ela gosta, em Ipanema, bairro onde mora. Nossa Trip Girl de 38 anos – uma Trip Woman, na verdade – vestia regata branca soltinha, daquelas que não escondem, mas também não mostram, saia longa, sapatilhas e óculos estilo aviador, que ela tirou assim que sentou na mesa. O ensaio que você acabou de ver (claro, ninguém vai ler o texto antes de ver as fotos) havia sido clicado no dia anterior, na Serra dos Órgãos, em Teresópolis (RJ). Como foi ontem, Fernanda? Mas foi fácil ficar pelada na frente de um monte de gente? Foi fácil, mas ela só resolveu despir-se por uma causa: a defesa dos animais e o veganismo, filosofia de vida que boicota qualquer alimento ou produto de origem animal. É a ela que a moça dedica boa parte de seu tempo e energia quando não está trabalhando para pagar as contas, como produtora freelancer de cinema. Seu currículo de ativista é extenso: é filiada ao Greenpeace, ao Sea Sheperd e ao Instituto Nina Rosa, todos organizações defensoras dos bichos; foi voluntária no Ibama, aplicando primeiros socorros em tucanos e outros animais silvestres que chegavam de apreensões; realizou uma mostra de cinema sobre o assunto para crianças da favela do Cantagalo e da zona sul do Rio de Janeiro; e participa da produção da Mostra Internacional de Cinema pelos Animais, em Curitiba. Sou ativista desde os 7 anos de idade, quando vi matarem uma galinha na casa da minha avó para o almoço. Eu tinha uma relação com aquela galinha! Comecei a chorar e a cozinheira disse que, se eu não parasse, ela não ia morrer. Foi um horror. Naquele dia, não almocei. Ela narra a história como se fosse o assassinato de uma amiga. Nascida em Niterói (RJ), Fernanda mudou-se ainda criança para Belo Horizonte, onde morou até ir para o Rio, quase dez anos atrás. Na escola, enquanto as colegas carregavam bonecas pra lá e pra cá, ela levava macaquinhos de pelúcia. Seu tio-avô era ambientalista. Os pais, apesar do episódio da galinha, também sempre gostaram de animais. E acabaram convertidos ao vegetarianismo por Fernanda, assim como todos seus ex-namorados. Você está namorando no momento? Vamos comer, Fernanda? Fico com vergonha de pedir um filé que me fez salivar desde que abri o cardápio. Legumes com quinoa. Fernanda, não é muito comum uma mulher de 38 anos pelada numa revista. Você pensou nisso? Tem algum outro recado que você queira dar, além da defesa dos animais? Uma maritaca começa a cantar na árvore ao lado, parecendo que quer entrar no papo. Silêncio na mesa. Vamos deixar ela falar. Bicho solto: A defesa dos animais e o veganismo, filosofia de vida que boicota qualquer alimento ou produto de origem animal, são as causas abraçadas por Fernanda Mayrinck — que, aos 38 anos, faz seu primeiro ensaio sensual
Fernanda, pra falar a verdade não vim com perguntas prontas. A ideia é a gente ir conversando e ver o que sai disso.
Ai, foi lindo. Me senti como a Eva, no Paraíso.
Facílimo. Só tirar a roupa [risos]. O homem que botou moralismo nessa história.
Não sei [risos]. Não é qualquer homem que me aguenta. Sou difícil, eu sei. Os homens têm que ser muito seguros, fortes, para darem conta de mim. Mas eu sou normal! Sou supercarente, cheia de amor para dar.
Vamos! Gosto deste restaurante porque não fazem segregação, tem comida para todo mundo. Vou de nhoque de beringela. E você?
Fique à vontade, viu?! Não faço mais patrulha. Já fui chamada de chata por causa disso. O vegetarianismo não pode ser uma limitação. Tem que ser uma libertação. Quero que você diga neste texto que é muito fácil viver sem comer animais.
Só pensei nisso. Uma mulher é bonita independentemente da idade. Está aí a Bruna Lombardi, por exemplo. E, claro, a Brigitte Bardot, minha maior musa. Ela sempre usou sua beleza para defender os animais e popularizar a causa. É exatamente o que quero fazer.
Claro, questão de educação.
Coordenação geral Adriana Verani / Produção Flavia Fraccaroli / Styling Helena Luko / Produção de moda Gabriela Michelini / Make Jésus Lopes / Assistente de foto Mariza Fonseca / Tratamento de imagens André Cossich / Agradecimentos Parque Nacional Serra dos Órgãos – ICMBio / MMA
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Laura Diaz
A menina da página ao lado, essa que faz com que sua circulação ganhe ritmo, está sendo processada por formação de quadrilha. Laura Diaz era uma das 72 pessoas que estavam no prédio da reitoria da Universidade de São Paulo na noite de 8 de novembro de 2011, quando a polícia militar entrou e prendeu os manifestantes, que gritavam por uma universidade “despoliciada”: para os envolvidos, não se pode pensar livremente com policiais fazendo rondas e checagens. Por isso, a fim de tentar desencaretar um campus, aos olhos deles cada vez mais decadente, resolveram agir, algo que Laura faz muitas vezes por ano, em nome de causas que considera significativas. Às vezes, vestida; outras, despida. Em dez minutos de conversa fica evidente que ela é feita de um material poderoso, a indignação. Não há, aliás, outro caminho para mudar o mundo; só os indignados fazem a roda girar. No caso dela, a combinação é inflamável: rosto e corpo perfeitos e intensidade suficiente para alterar as marés. Talvez tenha sido justamente movida por altíssimas doses de indignação que ela tirou a roupa em público pela primeira vez. “Nem me lembro quando foi”, diz. Ela só lembra que aconteceu do jeito mais natural possível. “Não tenho problema em me despir e usar meu corpo. Só acho que temos que tomar cuidado em como usar o corpo porque, com ele, estamos comunicando uma mensagem.” Amor Livre Laura tem 23 anos, está se formando na Escola de Comunicação e Artes da USP e trabalha na TV USP. Para quem quiser escutar o tom encantadoramente indignado de sua voz basta tocar em assuntos como Pinheirinho, homofobia, corrupção, política nacional e cerceamento de liberdades. “O que me move é a escalada da repressão pelo país e pelo mundo. Que democracia é essa?” Quero saber como tirar a roupa pode ajudar na causa, e ela diz: “Tirar a roupa ou ficar com ela não tem nada a ver com a luta, do ponto de vista estrutural. Quando a gente coloca o corpo dessa maneira a gente se opõe à violência da vida, ainda mais numa cidade como São Paulo”. Estar despida, eu concluo, é um apelo natural pela liberdade que nos é, todos os dias, roubada em nome dessa falsa segurança que se chama repressão. “O absurdo não é eu estar despida no centro de São Paulo, o absurdo é a violência, é o que viraram as relações amorosas, meramente contratuais e econômicas, é a gente ser estuprado no trabalho todos os dias e achar que está OK aquele salário que não está nada de acordo com o tanto que se trabalha.” Mesmo se ela estivesse falando a favor da absurda escolha de Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara seria muito difícil discordar; é um poder que vem de fábrica com toda mulher muito bonita. Recentemente, saiu da casa dos pais no bairro de Santa Cecília e foi morar com três amigas. Marxista, diz que o essencial em qualquer linha política é a capacidade de agir. “Se você não aplica as coisas que você idealiza, vai ficar paralisado e virar aquele tipo de cara que só reclama. Velhos de 20 anos. Eu conheço muitos, gente que está aí parado criando raízes.” As críticas se estendem aos relacionamentos – precisamente, aos “2 mil anos de história que construíram casamentinhos meia bomba e relaçõezinhas levianas”, como ela diz. “É claro que não é fácil mudar o esquema para uma forma de amor mais livre, superar a discussão sobre ser hétero, homo ou pan. A revolução é permanente.” Pergunto se ela seria capaz de se apaixonar por alguém menos envolvido, e ela é rápida: “Acho que não tem como se apaixonar por alguém que está morto”. Nas horas vagas, Laura toca com sua banda Angela Carne e Osso e os Bacanais – e, no caso, Angela Carne e Osso, “a mulher de todos”, é ela. Além disso, dedica-se ao trabalho que ama: montagem de filmes. Antes de encerrarmos, manda um último recado: “É hora de agir, de construir. É isso ou ficar para sempre reclamando como adolescente, e eu não quero acreditar que minha geração tenha tão pouco a dizer”. À luta, rapazes. Vai lá: www.facebook.com/carneossoeosbacanaisVocê vê curvas perfeitas, ela vê injustiça. Você vê libido, ela vê a necessidade de se entregar à luta. Laura Diaz, a proprietária de linhas tão bem integradas, quer mudar o mundo. Mas, por hoje, pode ser só o seu
Coordenação Geral: Adriana Verani / Produção: Bernardo da Mata e Flavia Fraccaroli / Estilo: Aline Prado e Paulo Troya_Image S.H.E.E / Make&Hair: Paulo Ávila / Assistentes de Foto: Cal Vasques e Cadu Maya / Créditos de Moda: Agatha_American Apparel_Aparecida_B. Luxo Vintage_Converse_Darling_Levi’s_Scala / Tratamento de Imagens: Image Touch
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Júlia Bernardi
Em Fernando de Noronha, existe a lenda do pecado. Ela é da época de quando Noronha ainda era uma ilha sem mulheres, a prisão selvagem dos homens. Fala sobre o amor proibido entres dois seres gigantes, adúlteros e, com certeza, um tanto safados. Foram castigados por amar demais (leia-se: por fazer muita safadeza por aí) e transformados em cartões-postais para os turistas. Os dois viraram o Morro do Pico e o Morro dos Dois Irmãos. Noronha é uma ilha no meio de um Atlântico bravo, um pequeno paraíso feito da pedra vulcânica de um amor proibido. Desse vulcão, que era uma ilha sem mulheres, vem esta mulher aqui, a Júlia, de 19 anos. Ela cresceu numa casa simples na ponta da ilha, cercada de mar, com uma mãe bronzeada que acorda de baby-doll cor-de-rosa e um cachorro que só entende francês. Sabe o que significa “nadar no mar de fora”, sabe esperar a maré. Seus pés já sabem pisar nos ramos certos das árvores vermelhas, seu rosto já procura o sol e a sombra com facilidade. Sabe como funciona o músculo da curva da bunda, como mexer as linhas das coxas douradas. Ela se empolga mostrando a terra dela. Sobe nas árvores, deixando a blusa branca cair na grama, coberta de flores vermelhas. Sobe nas pedras. Suas pernas firmes e morenas a levam para todos os cantos da ilha. Pega carona com facilidade. Gosta de comer lagosta, sabe quebrar um marisco com uma pedra para alimentar os peixes. Ela tira o biquíni, deixa a bandeira voar atrás dela no vento junto com os cabelos No nosso primeiro encontro, busco ela em casa cedinho, no amanhecer. Ela abre a porta de calcinha branca e de canga. O cachorro loiro deve estar pensando o mesmo que ela, acompanhando cada passo seu. Júlia fala francês – um souvenir de um ex-namorado da mãe – com ele. O vento bate forte, espalhando os cabelos dela pelo rosto. A blusa cai dos ombros. Tal mãe, tal filha Parece um sonho acordar nessa casa dourada com o sol da manhã, uma pequena cerca de madeira e o oceano enorme e violento atrás, numa rua sem número. A mãe, vestida com uma camisola de seda e renda, sai do portão. Um sorriso sonolento se abre. Ela olha para a filha, nua e com os cabelos ao vento, com certo orgulho, de um jeito que só uma mulher linda e forte olha, quando sabe que com seu corpo fez outra mulher linda e forte. Dá um beijo no rosto da filha e faz um café para nós. Me sinto honrada de poder testemunhar esse tipo de coisa, o quanto essas duas mulheres são fortes, bonitas, sexy e pertencem uma a outra. E moram aqui, nessa pequena casa de cimento pintado de amarelo com água brava em volta. No dia em que a gente pega um barco e sai pela Praia do Sancho, fico maravilhada com o quanto ela é adepta do mar. Sabe navegar as ondas, fica dois minutos na apneia, dando cambalhotas nua por baixo das ondas. A menina é feita de sol – só de olhar para a pele dela já dá calor. Ela me diz que quer virar fotógrafa, que quer fotografar paisagens. Que vai pegar a grana que ganhou fazendo essas fotos para fazer um curso de fotografia em Natal. Depois fomos para uma baía, cujo nome não me lembro mais. Pegamos a bandeira de Noronha emprestada da prefeitura, a única bandeira que existe na ilha. Ela tira o biquíni, deixa a bandeira voar atrás dela no vento junto com os cabelos. Levanta mais a bandeira para mostrar melhor a bunda dourada. “Assim tá bom?” E aqui estamos, com o que sobra dessa ilha do paraíso e do pecado, com essa mulher tão jovem, com tanto potencial. O escritor Oscar Wilde disse melhor: “Represento para você todos os pecados que nunca teve coragem de cometer”. Eis a Júlia. Ela, o pecado mais corajoso do paraíso. Coordenação Geral: Adriana Verani Júlia Bernardi, 19 anos, nasceu e cresceu em Fernando de Noronha, “em uma casa simples na ponta da ilha”. Ela sobe em qualquer árvore, pega carona com todo mundo e tem um cachorro que só entende francês
Produção: Flavia Fraccaroli
Assistentes de Foto: Michele Roth
Agradecimentos: Atairu Brasil / Atlantis Divers / Dolphin Hotel Noronha / Parque Nacional Marinho Fernando de Noronha - ICMBio
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Carolina Mânica
Não brigamos. A Cacá e eu nunca realmente brigamos. Já discutimos bastante, mas nunca brigamos. Fomos namorados, namoridos, por um pouco mais de nove anos. Lembro como se fosse hoje do dia em que nos conhecemos nos corredores de uma rede de televisão em Porto Alegre. Ela, tímida, recém-chegada e já despertando o interesse da rapaziada que trabalhava por lá, inclusive o meu. Me igualei aos outros quando tentei, sem sucesso, fisgar sua atenção. Ela era uma rocha, tinha namorado. E eu mal podia imaginar que, logo no dia em que eu seria demitido da TV, ela me daria bola. Essa data virou o aniversário do casal. Eu tinha o sonho de ser quadrinista e ela o sonho de ser atriz. Viemos para São Paulo juntos no começo de 2004. Quando a Cacá me convidou para escrever este texto, ela já havia sido a garota corajosa que desbravou a jornada árdua do ator na cidade grande, já havia sido a atriz que juntou obras, artes originais e manuscritos de artistas e escritores como Laerte, Angeli, Lourenço Mutarelli, Daniel Galera e Marcelo Rubens Paiva que resultaram em uma exposição/leilão em prol de um espetáculo com o texto de Mário Bortolotto. Na época o termo “arte pela arte” virou moda. E isso bem antes de se falar em crowdfunding no Brasil. Ela também já havia sido a pessoa que me empurrou para eu ir atrás do meu sonho de histórias em quadrinhos, dando suporte emocional, vendo cada página nova que eu fazia por cima do meu ombro. Nessa época, começou a trabalhar com diretores como Gerald Thomas, Eduardo Tolentino, Bortolotto. Foi trabalhar na televisão, no cinema. Tive o grande privilégio de assistir àquela corajosa garota se transformar em uma grande e reconhecida atriz. Uma determinação sensível e às vezes severa para com o que acredita. Uma rocha no amor e na fé. Aquela mesma rocha de sempre. Uma rocha onde achei equilíbrio quando estava inseguro e pude deitar seguramente minha confiança. Virei rocha também. Viramos a rocha um do outro. Quando a Cacá me convidou para escrever este texto, nós já havíamos nos separado. Não brigamos. Vivemos nove anos de um lindo amor que teve a satisfação de ter dado certo. Fomos cúmplices e assistimos na primeira fila ao sonho do outro se tornar realidade, os primeiros a nos aplaudir. O que nos ligava como homem e mulher se transformou num elo maior, no de irmãos. Nós celebramos isso, temos projetos juntos, como uma banda de rock. Celebro oferecendo minha casa para comemorarmos o aniversário do novo namorado dela, o meu querido João. Sabemos que poucas pessoas entendem essa nossa relação, mas os que entendem dizem que transcendemos e que são influenciados por isso. Mas a gente... a gente dá risada, não podia ser diferente. Um amigo uma vez me disse que éramos o casal mais legal que ele conhecia. E que hoje somos o não casal mais legal. O que une as pessoas não deve nunca ser interrompido, mas transformado. Amar é não ter medo de entender o amor e a sua grandeza. Amar é se sentir grato. E eu sou imensamente grato.Enquanto a atriz Carolina Mânica, 29 anos, faz arte em um ateliê, o quadrinista Rafael Grampá, seu ex-namorado (atual "irmão") abre o coração: "Um amigo uma vez me disse que éramos o scasal mais legal que ele conhecia. Mas que hoje somos o não casal mais legal de todos"
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Ida e Suzanne
De uma hora para outra, parece que os gringos invadiram São Paulo. Dá a impressão de que eles estão por toda parte, em todos os cantos da cidade. E, de fato, estão. Na minha casa mesmo, há três deles, incluindo eu, que sou da Patagônia, minha mulher, que é espanhola, e nossa flatmate, Suzanne, que é a francesa loira que você vê nestas fotos. Ida, a morena, é dinamarquesa e companheira de graduação na Sorbonne. As duas ficaram melhores amigas lá, daí o clima de cumplicidade das cenas que você vê. As fotos foram feitas na sala da nossa casa, no Copan, o edifício cartão-postal de São Paulo, uma cidade feita de paulistanos por adoção (como eu, Ida e Suzanne) e de imigrantes “de todo canto e nação”, como bem diz Tom Zé, um cara que os gringos adoram. Mas não tocava Tom Zé na agulha quando sugeri a Suzanne que ela posasse para Trip com sua melhor amiga, a Ida. Nem música rolava, na verdade. Estávamos eu e Suzanne preparando o jantar quando dei a deixa e ouvi uma resposta positiva que reverberou pela cozinha: um tropicalista e decidido “aham!”. Em seguida, veio uma confissão: “Nós duas já tínhamos falado sobre posar para você”, disse, a voz suave como a de uma menina. “Era um papo casual, falei para ela das fotos que você faz e perguntei se ela toparia”, completou. Só nos restou então marcar um dia para as fotos, um dia que não atrapalhasse a rotina de estudos das intercambistas, que estão estudando ciências políticas em uma das faculdades privadas mais tradicionais e conceituadas do Brasil. Pois sim, meu caro, “as mina” são cabeça e corpo, unha e cutícula. Belezas sem reparos e com conteúdo. E donas de uma delicadeza envolvente. Estão sempre coladas. Vão à faculdade juntas, circulam pelo Bexiga (é lá que Ida mora) e pelo centro, vão a galerias, shows, feiras orgânicas e a muitos restaurantes. Adoram comer bem, experimentar novos sabores e acham São Paulo a cidade mais interessante domundo no momento, talvez porque tenham consciência de que a experiência que vivem hoje aqui vai marcar a vida delas para sempre. “Só fugimos do circuito Vila Olímpia, que o pessoal da faculdade adora”, diz Ida. “O melhor da cidade está no centro”, afirma Suzanne. É impossível discordar ao ver as duas despidas (de qualquer coisa) em plena marquise do Copan. “Ficar nua aqui me dá uma sensação de controle sobre a cidade e ao mesmo tempo de conexão total com a vida lá embaixo”, disse Suzanne. Esse foi o único momento do ensaio em que eu dirigi as duas amigas em cena. Com exceção dessa imagem – coreografada como uma dança secreta (nós estávamos vendo São Paulo, mas ninguém nos via) –, todas as outras foram registros que partiram do desejo delas. Ida está solteira. E, durante os cliques, comentou que gosta de ficar imaginando como seria ideal se existisse um homem híbrido, que unisse o tempero peculiar de um carioca com as qualidades agridoces de um turco. As duas explodiram em gargalhadas, uma mais grave, outra de uma tessitura quase infantil, ambas nem aí para o vento daquela tarde de outono. Ah, sim, no dia das fotos fazia frio. Frio para os padrões paulistanos, que fique claro. “Mas somos europeias e para nós o clima está ótimo”, rebateu Ida, com os poros arrepiados. Como bem cunhou Paul Valéry, poeta francês, “o mais profundo é a pele”. E não cito o cara aqui só para agradar as amiguinhas intelectuais. Da pele para dentro, da pele para fora, o termômetro oscila. Pode-se sentir frio em um dia fervilhante na costa francesa e calor em pleno inverno dinamarquês. Em São Paulo, Ida e Suzanne se sentem aquecidas. O lugar onde se escolhe estar (São Paulo, Paris, Copenhague ou Comodoro Rivadavia) é sempre aconchegante. E paixão, meu amigo, é coisa de pele, eu nem preciso dizer.No topo do Copan, edifício cartão-postal de São Paulo, a dinamarquesa Ida e a francesa Suzanne se despem de tudo. “Ficar nua aqui dá uma sensação de controle sobre a cidade e ao mesmo tempo de conexão total com a vida lá embaixo”
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Jessica Olsson
Sueca. Algo estranho acontece no cérebro de um homem quando ele escuta esta palavra de cinco letras. Mais rápidas do que nunca, suas sinapses logo elaboram a imagem mental de uma mulher. Uma mulher tão bela que chega a atormentar. O cabelo é loiro-alvo – e natural! A pele é dourada de sol, ainda que raramente o astro rei dê as caras pelo país nórdico. Os olhos são azuis, ou variações sobre esse mesmo tom. E o corpo... bom, o corpo é como o de uma top made in Brasil mesmo, uma coisa assim meio Gisele Bündchen. Magra, mas sem perder as curvas jamais. Quando um homem escuta a tal palavra, portanto, pensa em uma mulher como Jessica Olsson. Jessica (“mas pode chamar de Jess”) nasceu em Malmö, cidade com pouco mais de 300 mil habitantes, mas ainda assim a terceira maior da Suécia, 26 anos atrás. Desde abril do ano passado, todavia, ela está entre nós, no Brasil, mais exatamente no litoral norte de São Paulo, na Praia Preta. É lá que ela e o norueguês Anthony Huus, seu namorado, moram. Em um chalé de dois quartos alugado, “no meio de uma floresta, perto da praia”, sem televisão, sem sinal de celular, sem internet. O que eles fazem da vida por lá? “Nós vivemos”, é a resposta, aparentemente simples, mas cheia de significado. “Assistimos a filmes, escutamos música, surfamos muito, namoramos...” Os dois também brincam de tirar fotos como estas aqui, clicadas pelo próprio Anthony. “Sou tímida, mas posar para o namorado é fácil. Não tentei ser sexy nem nada do tipo. Apenas fui quem eu sou. Nos divertimos muito fazendo este ensaio. Espero que isso fique evidente para os leitores”, conta. Ficou, Jess. Anthony, que “abrasileirou” há nove anos, foi quem importou a moça para este lado do hemisfério. O casal se formou quando ele fazia snowboard na Noruega, no mesmo resort em que Jess trabalhava durante o inverno – era o jeito que ela dava para passar a estação praticando o esporte de graça. Desliza pra cá, desliza pra lá, o negócio virou namoro. E o rapaz resolveu trazer seu mais novo amor consigo. “Eu estava sem planos para depois da temporada de esqui. Ele convidou e eu vim. No avião, tive uma crise: ‘Nossa, o que estou fazendo da minha vida? Nem conheço direito esse cara!’. Chegando aqui, ainda bem, deu tudo certo.” No Brasil, a neve foi substituída pela areia e pelo mar, e de snowboarder, Jess virou surfista. Pega onda todo dia. Antes, na adolescência, foi jogadora de basquete, de futebol, jogou hóquei e fez até motocross. Modelo mesmo só resolveu ser no Brasil, por insistência dos brasileiros (possivelmente culpa do tal poder sobrenatural da palavra “sueca”). “Todo mundo me perguntava se eu era modelo quando cheguei aqui. Acabei pegando uns trabalhos. Por que não experimentar as coisas, não é mesmo?”, diz. Jess também já experimentou morar na Espanha e na Áustria. Por ora, pretende ficar no Brasil. “Mas não penso muito nisso. Gosto de não ter um trabalho das 9 às 17, um apartamento próprio, uma renda fixa... Vivo o day by day, aceitando tudo que vem pela frente. Estou há seis anos desse jeito. E estou muito feliz.” Quem não estaria?Jessica Olsson nasceu 26 anos atrás naquele país nórdico famoso por suas belas mulheres. Mas largou a vida de primeiro mundo para morar com o namorado fotógrafo em um chalé numa praia paulista, sem internet, telefone ou televisão. Levam a vida surfando, namorando, vivendo. E tirando fotos como estas aqui
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Catharina Bellini
Cidade de Taipé, República da China, 2010. A modelo paulistana Catharina Bellini recarrega as energias comendo um balde cheio de frango frito, daqueles bem gordurosos, num fast-food ao lado do apartamento que ela divide com outras meninas, todas modelos. O dia foi puxado, cheio de compromissos: sessões de fotos durante o dia e festa regada a todo tipo de bebida à noite. Nascida e criada em um dos bairros mais tradicionais e gastronômicos da cidade de São Paulo, a Penha, ela sempre gostou de comer, nunca gostou de dieta e nunca teve crise com a balança. “Só fui perceber que tinha engordado quando fui vestir uma calça jeans e ela não fechava. Eu bebia muito, comia muito, engordei quase 10 quilos.” Foi aí que o alerta disparou. Não o da balança, mas sim o da consciência. Já se passara quase um ano e ela ainda estava ligada no modo “trabalho/balada” quase 24 horas por dia, sete dias por semana, mas desta vez acompanhada de um regime imposto pela agência em que ela trabalhava. “Eles me falaram que eu estava gorda, precisava emagrecer a qualquer custo. E olha que eu tenho 1,62 metro e estava pesando 50 quilos.” A pressão no trabalho ia aumentando, enquanto sua vontade de continuar levando aquela vida diminuía a cada dia. Aos poucos foi desencanando até que largou de vez a carreira de modelo. “Quando fui morar fora eu não sabia nem falar inglês, não fui instruída. Fui pra lá esperando outra coisa e, quando chegava nos castings, não me sentia à vontade com as poses que eu tinha que fazer, os trabalhos que me ofereciam. Quando me mudei pra Coreia do Sul eu já estava esgotada, emocionalmente desequilibrada. Pra você ter ideia, até o voo de volta para o Brasil eu perdi.” O equilíbrio veio quase dois anos depois. Catharina, hoje com 21 anos, está de volta ao bairro onde nasceu e foi buscar na família a inspiração para colocar sua vida de volta ao eixo. Do avô, ela resgatou o prazer por pintura e artes plásticas. Do pai, ganhou um violão “daqueles antigões, que ele comprou nos anos 80” e o gosto musical por bandas de rock clássicas, como AC/DC, The Doors e Jimi Hendrix. E da mãe herdou a beleza, que exibe e da qual fala cheia de orgulho, sem culpa alguma. “Acho que foi uma espécie de dom, sabe? Nascer bonita e ter a oportunidade de tentar viver disso. Porém eu prefiro que as pessoas me reconheçam não só pela beleza, mas também pelas outras coisas que eu faço: minhas fotos, meus desenhos.” Da vida de modelo ela guarda alguns traumas ou lições, como prefere chamar. Aprendeu a valorizar o que ela gostava que valorizassem nela mesma: a personalidade. Despreza aqueles que se importam com vaidade: “A maioria dos modelos era assim. Roupas de grifes, festas caras, tudo muito bonito, mas vazio por dentro, sabe?”. O corpo é uma festa Catharina não se importa mais com baladas, roupas de luxo, aparências. Trocou a rotina agitada e badalada da vida de modelo por outra mais simples. Trabalha em um shopping da zona leste da capital, divide o apartamento com o namorado e investe o que ganha em cursos de desenho e fotografia, além de passar as horas vagas tocando no violão as bandas que seu pai a ensinou a gostar. Tem o corpo repleto de tatuagens, duas delas em homenagem ao namorado: uma de uma pérola (“uma pedra preciosa e delicada, que precisa de cuidado para não quebrar, assim como eu”) e outra de um gato, para selar sua união de quase um ano. Mas esse excesso de confiança que ela carrega em cada resposta não consegue esconder o riso nervoso, o olhar incômodo e um certo desconforto quando tem que falar sobre sua vida pessoal e se vai gostar de se sentir desejada assim que este ensaio, fotogrado no ateliê do artista Marcelo Cipis, chegar às bancas: “É natural ficar pelada na frente dos outros, trocar de roupa. É uma coisa de que não tenho vergonha. A religião coloca de um jeito como se fosse tabu ficar sem roupa. Esses dias li uma frase que dizia que o nosso corpo é uma festa, é aquilo que a gente é, não é preciso ter vergonha ou medo”. E assim, flertando com os clichês, ela vai construindo as novas bases de sua nova vida, longe dos holofotes e da badalação, e aproveitando as coisas simples da vida. “Aquelas que realmente fazem a gente feliz, né?”A ruiva Catharina Bellini cresceu num bairro tranquilo de São Paulo. Aos 18 anos, largou tudo para ser modelo na China. Quase se perdeu no mundo repleto de glamour e festas, mas voltou e reencontrou o prazer nas coisas simples da vida
Produção Anabelle Custodio Make & Hair Alessandra Maloupas Agradecimentos Marcelo Cipis
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Carol Vecchi
Desde que sou colaboradora da Trip, já há uns seis anos, tenho pensado na imagem da Trip Girl perfeita. A gente passa muito tempo conversando sobre essa mulher ideal e o que ela representa. O que ela faz quando acorda, quem namora, se tem coleção de discos, se prefere cachoeira ou mar, se tem aquelas tatuagens ruins que a gente faz aos 18 anos... Na real, as moças que passam pelas páginas da Trip são muitas e variadas. Onze edições por ano, durante mais de 25 anos, é uma bela coleção. Tem de todas as idades, tatuadas, roqueiras, mais hippies, de vez em quando algumas gringas... Mas todas elas têm que ter algo indefinível em comum. Vira e mexe, aparece uma daquelas meninas- mulheres tão elogiadas por Jorge Ben, que incorporam em todos os ângulos o que representa estar nestas páginas. Quando você menos procura, você vê que, HOLY SHIT!, ela existe. E não só existe como aparece na redação de legging e sorridente, dizendo que namora a Trip desde adolescente, quando roubava as revistas do pai surfista. Pouco tempo depois, lá está ela diante de você numa fazenda em Minas Gerais, tirando a blusa e montando em um cavalo branco no final da tarde, com aquele restinho de sol fazendo carinho em seu corpo. Ou tomando chá naquela luz fraca e dourada das seis da manhã, se alongando na sombra do coqueiro, contando histórias de quando morava na Austrália na juventude. A paulistana Carol Vecchi tem 29 anos. É uma menina de beleza pura, cabelos compridos e pele firme. Nas tardes de quinta-feira, gosta de colocar a prancha no carro e descer a estrada para Ubatuba. Curte também andar a cavalo. E oferecer seu olhar tímido e o sorriso aberto a quem for, apesar das tristezas e perdas que viveu, e que divide com os outros aos poucos, sem medo. Ioga para cegos Aquele sonho da mulher brasileira que vendem para os gringos é de verdade. E a Carol é uma das mulheres mais de verdade que já conheci. A marca de biquíni é tão bem definida que mesmo nua no quarto ela parece ainda estar na praia. As mexas loiras no cabelo são do sol e do mar, e não do salão. E, depois de fazer seu primeiro ensaio sensual, de mostrar o corpo para todo o mundo, o que ela estranhou foi... ver sua mão feita nas fotos (ela quase nunca faz as unhas). Ela vai trabalhar no departamento de marketing de uma empresa de telefonia vestindo terno e camisa, mas tira logo os sapatos e fica descalça na mesa. Nas tardes vagas, dá aula de ioga para deficientes visuais e abre as pernas de ponta-cabeça com a mesma leveza que eu e você colocamos um café na nossa xícara preferida pela manhã. Me pergunto como deve ser um cego fazendo aula de ioga com a Carol – a gente sempre se apaixona pelas nossas professoras de ioga, né? São poucos os homens que viram Carol nua e que encostaram nesta pele de ouro. Mas ela decidiu que agora é o seu momento, que será bom para ela se abrir para o mundo. Este ensaio que você está vendo, apesar de ser perfeito e incorporar todas as mulheres em um, é dela. Só dela. Foi ela quem foi atrás dele, quem abriu a porta para vocês olharem bem de pertinho. Chegou o momento desta moça cheia de graça e de encantos incontáveis que a gente adora tentar contar.Pouquíssimos homens haviam visto a bela imagem da reservada Carol Vecchi nua – até agora. depois de superar perdas e tormentas da vida, ela quer mais é chegar chegando
Coordenação Geral: Adriana Verani Styling: Gaia Prado Assistente: Irene Contreiras Make&Hair: Christian Mourelhe Assistente de foto: Josu Agradecimentos: Calvin Klein, Cavage, Eskala, Quintess, Tulli, Valisère
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Helena Serena
Com 18 anos recém-completados, nunca precisou da maioridade para saber o que fazer com sua vida, tampouco faz jus ao segundo nome. Foi a primeira da turma a fazer tatuagem, a fumar, a colocar piercing e a transar com um namorado – só não era a primeira da classe porque isso não interessa a quem tem espírito rebelde. Agora pode dizer também que é a primeira a posar nua. Não que tudo isso seja uma grande questão para Lê, como ela é conhecida por todo mundo em Ilhabela. “O físico para mim não é uma coisa íntima, é natural. Sempre gostei de ficar pelada em casa, moro na praia, nunca tive essa coisa de vergonha.” Ela não é dessas mulheres de beleza exuberante ou exótica. A pele é levemente morena, os olhos são cor de mel, e a boca carnuda talvez seja o que mais salte aos olhos – há um certo sorriso permanente em sua boca, levemente malicioso (a malícia, muito provavelmente, está nos olhos de quem vê). Mas sua presença é magnética. Talvez seja a forma como ela encara alguém enquanto presta atenção no que está sendo dito, com a curiosidade de quem quer descobrir o mundo e tem uma porção de sonhos. Um deles é cantar. Em seu perfil no Facebook há um vídeo de Helena interpretando, no Mirante do Portinho, em Ilhabela, voz e violão, uma composição própria. “Tô vivendo esse sonho, não te peço para participar” é um dos versos, entoados com uma voz suavemente rouca. “Componho para tocar as pessoas com meus pensamentos e minhas histórias. Sou muito antenada em música, amo jazz”, conta ela, que também é fã de Amy Winehouse. Mesmo quando era menor de idade, o que não faz muito tempo, Lê já integrava o circuito de bares de Ilhabela dando canjas, já que não podia trabalhar na noite. Agora até montou uma banda, chamada Carpet, e ganhou um festival local. O prêmio? Gravar a canção vencedora, sua primeira vez em um estúdio. "Acho que tem que perder a vergonha, tem que se mostrar, subir no palco e cantar. É bem melhor fazer isso que passar a vida inteira frustrada por nunca ter feito o que tive vontade." Ao mesmo tempo em que Helena se torna cada vez mais uma mulher feita, que quer mudar para São Paulo em 2014 para focar a veia artística, nela ainda habita a moleca que joga futebol duas vezes por semana, que anda de skate e ama cachoeiras. Apesar da fidelidade das amigas, Lê passa a maior parte do tempo com os amigos homens – é assim desde sempre. Se ela começou a se sentir desejada por eles quando a adolescência modelou seu corpo? “Sempre teve muito respeito, os olhares não ficaram diferentes, não”, diz, antes de afirmar que também nunca foi muito paparicada em Ilhabela. “Há muitas meninas lindas por lá.” O ensaio de Helena Serena foi muito natural: aconteceu na casa dela, retratando sua rotina. Começou na cama, como se estivesse despertando – e preguiçosamente se revelando –, e chegou até o telhado. Foi nessa hora que seu vizinho adolescente viu, toda nua, a gata em teto de zinco quente. Na hora, apesar de ter dito que fica assim em casa naturalmente, Lê ficou puta da vida e começou a gritar com o rapazote – como se ele tivesse alguma culpa em ver a vizinha linda, pelada, ali, alçada aos céus. Depois, mais calma e vestida, ela foi pedir desculpas a ele. “A ilha é muito pequena, rola muita fofoca. Essa revista, ó, vai repercutir!”, diverte-se. “Mas eu já não ligo mais. As pessoas que me conhecem sabem bem que eu gosto desse universo das artes, de tirar foto. Acho que tem que perder a vergonha, tem que se mostrar, subir no palco e cantar. É bem melhor fazer isso que passar a vida inteira frustrada por nunca ter feito o que tive vontade. Eu não vou me arrepender por não ter tentado.”
Helena Serena não faz jus ao nome. Impetuosa, explosiva e inconstante, a nativa de Ilhabela mal chegou aos 18 anos e já se mostra pronta para o mundo
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Bárbara Paz
Não é a primeira vez que me chamam pra escrever sobre a Bárbara. Conheço segredos dela (e ela meus) que nunca serão revelados. Segredos que me levam a pensar sempre na mesma coisa: poucos conhecem a verdadeira Bárbara Paz. Poucos têm a oportunidade de conviver com o humor inteligente e bufão, com a risada escrachada que contamina, e de ouvir besteiras da rotina com o vozeirão grave, com seu jeito ansioso, delicioso. Sua primeira aparição pra mim já foi nua, no clipe Pelados em Santos, dos Titãs, de 1999. Como jurado de um prêmio da MTV, recebi a fita com esse clipe, uma provocação mundana genial ao mundo da publicidade bolada pelo maior de todos, Washington Olivetto. Bárbara oferecia as tetas para o consumidor voraz mamar. Depois, no circo e no teatro, conheci a Bárbara palhaça e cômica. Rondava os palcos alternativos de São Paulo. No Next, ali na rua dos travestis do centro, a Rego Freitas, fazia Um chope, dois pastel e uma porção de bobagem, comédia hilária de Mário Viana com os Parlapatões, grupo com o qual ela se associou de corpo, coração e alma. Na época, namorava meu grande irmão Raul Barreto. Fez com o saudoso Marcos Cesana a peça Felizes para sempre, um dos melhores textos do meu grande amigo e parceiro Mário Bortolotto, no porão do Centro Cultural São Paulo. Trabalhamos juntos na peça Suburbia, de Eric Bogosian, dirigida pelo Chiquinho Medeiros. Eu colaborava na tradução e vivia com ela o dia a dia dos ensaios, dos bastidores, da montagem. Gente boa de trabalhar. Bem-humorada, sóbria. Foi uma temporada longa. Viajamos. Mudamos de teatro. Até que ela veio nos dar a notícia que teria que sair: “Liguem a TV hoje à noite no SBT que vocês entenderão”. Me esqueci de ligar, mas nem precisou: os atores começaram a telefonar, olhem a Bárbara no Silvio Santos, na Casa dos artistas, o que é isso? Acompanhamos de olhos arregalados o surpreendente, e até então inédito por estas bandas, reality-show. E ela ganhou! Precisava. Nunca escondeu de ninguém que fez o programa pela grana, pra ajudar as irmãs que a criaram no Rio Grande do Sul, já que ficou órfã cedo. O tal carro da Fiat que cada participante ganhou? Ela doou para uma irmã. Todos nós sabíamos: ali transborda talento. Seu timing de humor e drama estão em perfeita sintonia; tem ousadia de encarar papéis difíceis e de se entregar no palco ou diante das câmeras. Bárbara é “gente de teatro”, que é como classificamos atrizes e grandes atrizes. Torcemos pro rótulo “ganhadora da Casa dos artistas” passar logo pra ela voltar ao teatro. Então, vi Bárbara deslumbrante com o Grupo Tapa em Contos de sedução, de Guy de Maupassant, e em A importância de ser fiel, a dúbia comédia de Oscar Wilde. Depois, surpreendentemente mais rodriguiana do que muitas rodriguianas, em Os sete gatinhos, cruel e sensual, como pede Nelson Rodrigues. Vi ela fazer a ninfeta fútil e devassa Lolita Pille, na adaptação do livro Hell, dirigida pelo marido, Hector Babenco, e também a musa inspiradora de um autor em Vênus em vison, também dirigida por Babenco, em que vive uma atriz que seduz, atormenta e acaba revelando um lado escuro reprimido. Em dado momento, ela pega os dois suspensórios do personagem com que contracena e os puxa, como um elástico, num típico movimento de picadeiro. Rio sozinho e falo para dentro: “Palhaça...” Bárbara para mim carrega a própria dualidade de um palhaço. Muitos sabem do seu passado triste, de onde vem, que seus pais morreram cedo, quem a criou, que veio de uma cidade pequena do Sul, que tem uma cicatriz que carrega desde a adolescência. Mas seu riso e talento contaminam quando as luzes se apagam. Agora, as cortinas se abrem. A Bárbara que nos prende a atenção e que se apresenta é a mulher que sempre surpreende. Movida por seus dramas e temores – armas de um artista completo –, cresce não a vítima, não a celebridade, não a loira bombshell, mas a grande atriz que ela é. Seu timing de humor e drama estão em perfeita sintonia. Bárbara é ‘gente de teatro’, que é como classificamos atrizes e grandes atrizes Coordenação Geral Adriana Verani Styling Lara Gerin Make&Hair Helder Rodrigues (Capa MGT) Produção editorial Paula Gugliano Assistentes de foto Aecio Amaral, Pedro Bonacina, Renata Terepins Assistente de make Michelle Pavão Camareira Renata Pina Agradecimentos Locação Padovani Consult / kitty@padovaniconsult.com.br Agradecimentos Moda Brechó Minha Vó Tinha, Casa Juisi, Fruit de La Passion, Marita de Dirceu Tratamento de Imagens RG ImagemÓrfã ainda criança, vencedora de a Casa dos Artistas, meme de internet. Bárbara Paz nunca esconde o passado ou as cicatrizes. Talvez por isso seja hoje uma das maiores atrizes do nosso teatro. Aqui ela se joga de corpo e alma à la Madonna nos anos 80
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Isabelle Cutrim
Ela era o patinho feio da turma, já morou em tudo que é canto, vive de olho no peso... Isabelle Cutrim, nascida há 22 anos numa fazenda no Maranhão, parece ser que nem todas as outras modelos. Mas, como as fotos a seguir provam, ela é muito, muito mais que isso À primeira vista, Isabelle Cutrim parece ser como todas as outras modelos: era o patinho feio da turma da escola (antes de o tempo fazer seu trabalho e tratar de acertar suas medidas), já morou em meio mundo (mas gosta mesmo é da terra natal), vive brigando com a balança (apesar de dizer que come de tudo), etc., etc. Isabelle até parece ser como as outras modelos. Mas não é. Maranhense de 22 anos, sua pele e seus olhos não se decidem pelo tom. Ora timidamente lolita, inspira cuidados. Ora fatalmente fulminante, inspira mais cuidado ainda. Adolescente, já figurava em campanhas e em catálogos de marcas e grifes ao redor do mundo. O trabalho fez a caixa postal da moça – que cresceu numa fazenda no interior do Maranhão – mudar muitas vezes: México, França, Espanha... Desde 2012, fixou pouso na Itália. “É o país da Europa onde as pessoas são mais receptivas”, diz. Em Milão, conheceu o atual namorado, o jogador profissional de basquete Alessandro Gentile. “Foi como estar no sofá da minha casa”, confidencia, a respeito deste ensaio Isabelle se mostra experiente, apesar da pouca idade. “Foi como estar no sofá da minha casa”, confidencia, a respeito deste ensaio. Entre tantas outras fotos e desfiles, ela ainda consegue arranjar tempo para si. Recentemente encontrou o boxe tailandês como maneira de se manter saudável e com o corpo em forma. “Prefiro praticar esportes e comer o que eu gosto a ter de fazer dietas”, diz. Comida, para a moça, pode ser um remédio contra a distância da terra natal. Pelo menos uma vez por semana vai a algum restaurante brasileiro. Se as energias estão repostas e o calendário permite, Isabelle viaja. “Sempre que posso dou uma escapada de Milão”, afirma, sem esconder o entusiasmo em conhecer novos lugares, pessoas e culturas. Esteja onde estiver, a garota traz recordações da infância nos braços da família e com os pés no chão. “O contato com a natureza é uma das coisas que mais gosto”, lembra. Por isso, quando mais velha, pensa num lugar para chamar de seu. “Quero ter meu refúgio: uma casa bem grande com um superjardim para meus filhos e meus netinhos”, sonha. Para quem poderia ganhar o mundo apenas com o que Deus lhe deu, a moça é modesta. Tá vendo? Isabelle não é uma modelo comum.
Styling: Stephanie Kherlakian Agradecimentos: Lingerie Yasmine Eslami_ www.yasmine-eslami.com
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Luciana Pádua
Luciana Pádua nasceu há 26 anos em Suzano, interior paulista. Mas por lá não ficou muito. Já morou na Bahia, na periferia de Buenos Aires e, agora, pode ser encontrada em Paraty, onde vive fazendo massagem na praia. “Um lugar a cada dois anos”, é o seu mantra Ficar ou ir embora? A decisão só depende do que Luciana Pádua estiver a fim de fazer no dia em que essa dúvida surgir. “Não é o lugar que vai te fazer feliz. Ajuda, mas a felicidade está dentro de ti”, resume. Criar raízes não combina mesmo com esta paulista de 26 anos, que já carregou sua felicidade por muitos lugares. Resolveu “sair do seu mundinho” aos 19, largou a casa dos pais em Suzano e desde então não sossegou mais. Participou de um projeto ecológico que não deu certo em Campos do Jordão, curtiu a vida na Bahia, morou na periferia de Buenos Aires. “Um lugar a cada dois anos” é o que tem de mais parecido com um plano. A mãe chama ela de passarinho. E, segundo a dona Sueli, passarinho a gente tem que soltar. A proposta só não teve sucesso em São Paulo, onde a estada durou apenas três meses. “É que não consigo ficar longe da terra, do verde, da qualidade de vida...”, diz a bela. Os dois dias que passou na capital para escolher as fotos deste ensaio já foram um suplício. Não é fácil enfrentar o cinza barulhento de uma metrópole para quem morou em sítio quando pequena, tomando leite de vaca recém-tirado e andando de pés descalços. Puxou essa sanha de mato do avô, que fugia da cidade sempre que podia. “Não me vejo longe da natureza.” Foi talvez por isso que ela e o namorado argentino adotaram a histórica Paraty, no litoral fluminense, como atual residência. Ela queria voltar para o Brasil e os dois saíram da capital argentina mochilando por aí. Gostaram do casario colonial cercado de mata atlântica, reservas ecológicas, praias, ilhas e do cotidiano vagaroso, agitado apenas de vez em quando por festivais e turistas vindos de todos os cantos. É esse movimento que garante o sustento dos dois massoterapeutas, que passam seus dias relaxando pessoas na areia, à beira-mar. Trabalham. Mas nem tanto. “O ser humano não foi feito para trabalhar 8 horas por dia, então eu trabalho menos pra poder praticar esportes, andar até as cachoeiras, aproveitar... Eu nunca trabalharia em um escritório!”, garante. Claro, passarinho não foi feito para viver em gaiola. “Gosto de provar tudo. Não há só uma verdade na vida, há várias. E pode haver uma para cada momento” A escolha da primeira profissão já denunciava a inaptidão para o comodismo: formou-se técnica em turismo, trabalhou com recreação em museu e hotel. Respeitando as próprias regras, resolveu mudar de área e estudar biologia, que cursou por – imagine a coincidência – dois anos. Luciana se considera uma bióloga de alma. “Gosto de provar tudo. Não há só uma verdade na vida, há várias. E pode haver uma para cada momento”, acredita. Ela solta suas frases com rapidez e segurança, parece orgulhosa de sua inconstância. Há um bocado de energia concentrada em seu corpo de apenas 1,63 metro. Se não está na areia trabalhando, está nas ondas de Ubatuba com sua prancha. Ou praticando tai chi chuan. Ou fazendo trilhas pela mata. Ou circulando de bicicleta por aí. Essas são as escolhas do momento, mas a miríade de atividades que experimentou passa ainda por variedades como handebol, ioga, vôlei e kung fu – estilo yi chuan. Por isso este ensaio não poderia ter sido feito em melhor lugar. Paraty, entre a serra e o mar, no meio do mato, dentro da água, Luciana enterrando os pés na areia, se sentindo em casa. “Foi lindo! Deu aquela meia hora de vergonha, mas eu tô alucinada... Foi muito puro, uma brincadeira, tudo muito natural”, empolga-se. E o Brasil, é mesmo o seu lugar? “Neste momento, sim.”
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Kamila Simões
Kamila Simões é filha de KL Jay, DJ do maior grupo de rap do país, os racionais MC`s. Mas isso não importa. Aos 20 anos, mãe e cheia de planos, ela tem luz própria de sobra Era uma segunda-feira quente quando ela entrou na redação dentro de uma calça jeans estonada, dessas que voltaram à moda, e uma camiseta estampada. Nos pés, tênis de basquete enormes – um Air Jordan, marca criada pelo Pelé do esporte. O sorrisão iluminava a casa onde trabalhamos. Ao lado dela estava seu pai, Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay, DJ dos Racionais MC’s, o maior grupo de rap do Brasil. Pai e filha vieram até a Trip saber de nossas intenções com este ensaio. Nos preocupamos em vão. KL Jay veio em missão de paz, superorgulhoso da cria e falando que “não manda em nada”. “Ela tem 20 anos, é dona do seu nariz. A gente instrui os filhos [ele tem sete, com três mães diferentes] até certo ponto. O mais importante mesmo é espalhar o amor”, disse. Bela mixagem, DJ. "Sou meio egocêntrica, vai. Gosto de aparecer, acho que sou bem fotogênica" Uma semana depois da primeira visita, logo após ter posado para as fotos que você está vendo, reencontro Kamila para a nossa entrevista. “Quer dizer que aquela cara de poucos amigos dos Racionais é só pose para foto?”, pergunto. “Acho que sim [risos]. Mas na verdade eu convivi muito pouco com eles. Era pequena quando estouraram. São todos tranquilos”, acredita. “Menos o Brown. Ele é brabo mesmo.” ANITTA E CHRIS BROWN Ela conta que, ironia do destino, sempre zoava o pai dizendo que “ia sair pelada na Trip”. Saiu. E por que tirar a roupa assim pela primeira vez, Kamila? “Sou meio egocêntrica, vai. Gosto de aparecer, acho que sou bem fotogênica. Quis usar esse meu lado”, confessa, sem medo de ser feliz. Se o pai “foi de boa”, o namorado enciumou, para logo relaxar também. Já a mãe e a avó ficaram empolgadíssimas. “Para as amigas eu não contei nem mostrei nada. Vão ficar chocadas”, diverte-se. Kamila veio parar nestas páginas graças a Autumn Sonichssen, nossa fotógrafa com ímã para beldades desconhecidas. Ela mandou uma mensagem por Facebook para Kamila, que primeiro achou que era uma brincadeira. Quando viu que a coisa era séria, aceitou o convite. Atualmente, ela se dedica integralmente à trabalhosa tarefa de ser mãe. Analice veio ao mundo 11 meses atrás sem muito aviso nem planejamento. Mas Kamila e Renan, namorados há “uns três anos, não sei”, abraçaram a ideia. Quando a pequena começar a dar menos trabalho, a mãe planeja fazer uma faculdade de design gráfico ou engenharia – e, antes de mais nada, recuperar todo o sono perdido. Tocar música nunca fez muito sua cabeça: “Meu pai é DJ, tenho dois irmãos DJs [Will e Kalfani] e a mais nova também quer ser DJ agora. Tá bom já, uma família não precisa de tanta música assim”. Mas escutar, sim. Sempre. Principalmente hip-hop gringo e comercial, como Chris Brown. “Racionais escuto muito pouco. De nacional, tenho ouvido mais Anitta”, ri, apesar de estar falando sério. "Às vezes estou com meus irmãos em um restaurante e alguém olha feio para a gente. Em qualquer lugar que você for vai ter gente preconceituosa" Da infância no Tucuruvi, bairro paulistano onde nasceu, cresceu e mora até hoje, ela lembra com carinho. Lamenta só um episódio pelo qual passou no primeiro ano do segundo grau, “em uma escola de boy”: “Tinha um menino superpreconceituoso, que adorava zoar a mim e aos outros dois únicos meninos negros que havia na sala. Um dia eu cansei e peitei o cara. Tomei uma suspensão da diretora da escola, que nem quis escutar o que tinha acontecido. Meu pai teve que ir lá, deu a maior confusão”. Foi quando Kamila percebeu que o racismo não tem hora nem endereço para aparecer. “Às vezes estou com meus irmãos em um restaurante e alguém olha feio para a gente. Mas meu pai sempre falou muito sobre esse assunto com a gente. Em qualquer lugar que você for vai ter gente preconceituosa. Cabe a nós se importar com isso ou não. Eu me importo, mas não fico procurando problema.” Já passa das 21 horas, e é hora de dormir para a nova mãe, de licença das outrora queridas baladas. Ela entra no táxi que a vai levar para a zona norte, doida para se jogar nos braços de Orfeu depois de um dia de fotos e entrevista. Este texto também se despede, sem nenhuma analogia entre nossa Trip Girl e alguma letra dos Racionais. Não precisa. Kamila, apenas, é mais do que suficiente.
Produção Executiva Adriana Verani Styling Lara Gerin Make&Hair Omar Bergea Produção de moda Lidia Yang Assistente de foto Josu e Patricia Barreto
Tratamento de imagens Andi Kuonath para RedFishBlack.com Agradecimentos A La Garçonne, Beevee, Billabong, Dopping, Hope, Jack Vartanian, Jun Matsui, Miz.; couture, Moikana, Scala
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Vlada Kleynburg
Ela estava certa. Parece estranho, uma moça que foi do frio da Moldávia para os Estados Unidos, tirando a roupa e mostrando as cicatrizes para a revista mais brasileira de todas, no meio de um deserto de sal em Utah, onde a cidade mais próxima é conhecida só pelos cassinos e pelas almas perdidas. Mas esse triângulo de países também faz sentido. Às vezes a gente recebe garotas na nossa vida que chegam com o vento, o short rasgado e as cicatrizes à mostra. Essas meninas são os melhores presentes. Eu recebi a Vlada Kleynburg de presente da minha amiga Brandalynn, que era chefe dela numa loja que vendia cadeiras e espelhos fabricados na Índia. Brandalynn me mandou um e-mail com umas fotos do celular, pra eu ver a “linda nova copilota”. Conheci a moça uns meses depois, numa noite regada a gins-tônicas em Salt Lake City. Ela se enfiou na pia do bar só de bota para eu fotografar (a pia era bem legal) e colocou uma mão de manequim na cara só porque achou lindo. Ela me disse que gostava muito se ser fotografada. Eu pedi para ela ir para o salar comigo no dia seguinte. E ela foi. Levou uma cadeira da loja onde trabalha para fazer uma instalação lá no meio do deserto. Dirigindo num pôr do sol absurdo de bonito, se arranhando com o sal e parando a cada 5 minutos para fazer xixi no meio do mato. Brincou, fez estrelas no mato, acendeu um beck dentro do carro, ficou rindo alto e sozinha. Mostrei as fotos para ela depois e ela quase não se reconheceu, de tão gostosa que estava. Ela é dessas. A rotina dela: fuma maconha, cuida das plantas, anda na montanha, fica na paz A história resumida da vida de Vlada: nasceu na Moldávia, no sul da antiga URSS, e se mudou para os Estados Unidos com os pais e a irmã mais velha, junto com o colapso da União Soviética, em 1991. Foram aceitos como refugiados e se instalaram primeiro em Nova York, onde morava parte da família. Um primo convenceu o pai dela a se mudar para Utah, porque Nova York não era uma cidade onde as filhas dele deveriam crescer. Mudaram-se para o tédio do subúrbio de Salt Lake City, uma decisão da qual seu pai se arrepende até hoje. Ela não sabia nenhuma palavra em inglês e foi conhecida como a “russinha estranha”, mas ficou fluente no idioma em poucos meses, apesar de continuar a ser chamada de russa estranha por todo o resto da carreira escolar. Nesse subúrbio de classe média, brincando com os amigos mórmons e assistindo a seriados antigos, teve uma adolescência turbulenta. Já foi parar na cadeia por alguns dias e ficou com tanto medo da experiência que nunca mais quis voltar. Formou-se em jornalismo na Universidade de Utah. Após uns bicos, começou a trabalhar na tal loja de móveis indianos. Mas ela tem fogo demais no rabo e começou a ficar inquieta. Como todo mundo que mora no meio dos Estados Unidos e fica inquieto, se mandou para o Oeste. Através de uma amiga em comum conheceu o namorado, que é dono de uma fazenda legal de maconha na Califórnia, numa cidadezinha chamada Grass Valley, que faz jus ao nome. É realmente longe. Ele estava precisando de alguém para trabalhar na fazenda e ela se ofereceu para ajudar por um tempo, se apaixonaram e estão lá até hoje. Moram do lado de um lago na fazenda e trabalham na terra todos os dias com uma equipe pequena. Toda manhã, faz suco verde. Acredita que, já que ingere tanta coisa boa através do suco logo cedo, pode comer o que quiser o resto do dia. Tem um jardim de inverno todo moderno, com plantas de maconha de todos os tamanhos e um jardinzinho de temperos (mas os temperos, ela diz, são “só de brincadeira”). O resto eles levam a sério. Essa é a rotina dela. Fuma maconha, cuida das plantas, anda na montanha, fica na paz. Não sabe o que vem amanhã e nem vê problemas quanto a isso. Menina surreal, menina dos sonhos.Nascida na Moldávia – a república bem abaixo da Ucrânia – e criada no subúrbio de Salt Lake City, em Utah, nos Estados Unidos, Vlada Kleynburg foi trabalhar em uma fazenda legal de maconha na Califórnia, onde cultiva ervas e procura não pensar no amanhã
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Hingrid Pfaffenzeller
Nascida em Curitiba e criada no Rio, a estudante de arquitetura é louca por praia e pelas montanhas da cidade, mesmo tendo medo de altura. “Superar meus limites me excita” Numa manhã de segunda-feira, eu sentado na Pedra do Arpoador olhando as ondas, ela aparece e encosta a bicicleta ao meu lado. Pele morena brilhando, olhar de menina, boca incrivelmente desenhada. Tomei coragem e convidei para a sessão de fotos. “Jura? Nunca passou pela minha cabeça ser fotografada...”, ela disse. Mas aceitou. No sábado, toca o interfone no meu apartamento, na Lagoa, e ela sobe. Pelo olho mágico, vejo Hingrid Pfaffenzeller, nascida em Curitiba e criada no Rio de Janeiro, arrumando os longos cabelos. Abro a porta, ela sorri. O sotaque carioca é forte. Ela se troca, vamos ao quarto e começamos a sessão. Na janela, olhando para baixo – estamos no 18ª andar – ela diz que tem medo de altura, mas que sempre desafia o próprio medo fazendo trilhas para subir no topo da Pedra da Gávea ou do Morro Dois Irmãos. “Superar meus limites me excita”, confessa. Deitada na minha cama desarrumada, ela abre o bocão, se espreguiça e conta que está morrendo de sono: ficou tão ansiosa que não dormiu na véspera. Peço para tirar a parte de cima e ela tem vergonha. Aceita, mas procura esconder os seios com as mãos. Mais adiante, e um pouco mais à vontade, ela deita no sofá da sala, folheia uma revista, mostra uma foto de praia e abre o jogo: “Uma das coisas que mais me deixam com tesão é estar na praia em noite de lua cheia, céu estrelado, aquele silêncio, a areia gelada... ninguém por perto, só eu e meu namorado. O mar faz com que eu me sinta livre e desconectada do mundo”. Ela é mais das coisas simples da vida, de sentar num bar com os amigos, pedir uma cerveja com porção de fritas e jogar conversa fora O corpo nu, seja de homem ou de mulher, também a deixa acesa. E sexo, claro. “É superimportante pra mim. É a maior troca de fluidos que pode haver entre duas pessoas.” Diz que nunca foi baladeira, de sair na noite para pegação. Ela é mais das coisas simples da vida, de sentar num bar com os amigos, pedir uma cerveja com porção de fritas e jogar conversa fora. Jogada no sofá, Hingrid conta um pouco da história de vida. Aos 8 anos veio do Paraná para o Rio de Janeiro morar com uma tia, logo depois que os pais se separaram. Entre os antepassados há alemães, espanhóis e índios. Estuda arquitetura, pratica ioga, pedala pela orla de Ipanema. Pergunto se tem alguma religião: não, mas tem fé. “Encontro espiritualidade na prática do ioga, na meditação e na natureza. Para mim é como esse tripé aí, sabe?”, fala apontando para o equipamento fotográfico. “Você tem que estar bem com espírito, corpo e mente.” Sonha com projetos grandiosos, do tipo ajudar pessoas necessitadas nos lugares mais hostis do planeta, comunidades carentes e isoladas da Ásia, coisas assim. Enquanto isso não acontece, adora acordar e ficar embaçando na cama, dormir “só mais um pouquinho”, no limite do horário em que tem que despertar. Terminamos a sessão e ela sai feliz: “Hoje estou realizada. Quando as fotos estiverem na revista, em junho, completo 22 anos”. Feliz aniversário, Hingrid.
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Emmanuelle Saeger
Emmanuelle Saeger nasceu na Bahia, cresceu em São Paulo, tem nome francês, estudou design, trabalhou como publicitária, tornou-se galerista de arte. Aos 34 anos, divide sua nudez com o mundo como uma espécie de manifesto: “Há uma razão política em posar” Ela conta sorrindo que o nome, Emmanuelle, é coisa de cinema. Vem da icônica (e tórrida) série de longas-metragens dos anos 70 que marcaram toda uma geração que queria liberdade sexual. Também é entre risos que ela fala dos estereótipos que cercam seus conterrâneos: nascida na Bahia em 1979, Emmanuelle Saeger de Carvalho, a Manu, carrega e conhece o ritmo de lá. “Embora todo mundo fale da baianidade como um jeito mais tranquilo, na hora do vamos ver o batuque é diferente”, diz. Quando sente falta das raízes, Manu cozinha em casa. Não tem medo de acarajé quente demais nem de vatapá além da conta. “Acho que sou privilegiada por nunca ter malhado e comer tanto.” Também carrega tudo quanto é patuá da terra de todos os santos – ela já passou por terreiros e flertou com o espiritismo. “Já fui de todas as religiões.” Hoje a moça é cristã, mas não vê problemas com a nudez profana. “Eu nunca tive pudor com meu corpo”, conta ela, lembrando que, por outro lado, o ensaio pode fazer corar sua família. “Sempre fui a favor do nu que não é necessariamente sexual, na busca por algo mais natural.” Com seus olhos acastanhados sob intimidadoras sobrancelhas negras, ela vê uma razão política nas suas curvas desveladas. Designer de formação, já trabalhou como publicitária – inclusive na área comercial da Trip – e desde 2012 se dedica a lançar novos artistas nacionais. Ela é dona da Hotel Galeria, espaço em São Paulo que, nas suas palavras, hospeda artistas e curadores. É a São Paulo, aliás, que ela credita a vontade de fazer acontecer, embora o gosto pela criação despretensiosa venha mesmo é da terra natal. “Sempre fui a favor do nu que não é necessariamente sexual, na busca por algo mais natural” O ensaio para estas páginas nasceu nesse mesmo espírito. As fotos descompromissadas ficariam apenas entre ela e o fotógrafo, o amigo Flavio Teperman. “Eu fiz o ensaio pensando em um segredinho nosso”, confidencia. Mas o resultado é tão bom que a dupla decidiu dividir com o mundo. A seguir, Emmanuelle Saeger, uma menina baiana cheia de encantos, como diz a música de Gil, que fala o que pensa. Corpo e nudez Eu acho que gosto da minha barriga, que eu não tenho. Eu gostava muito do meu peito, mas eu tenho cicatriz porque tirei um cisto. Minha cicatriz é cicatriz de guerra. Sou sobrevivente de guerra. Tive de operar e operei. Eu nunca tive pudor com meu corpo. Isso foi uma das razões que me fizeram aceitar a publicação do ensaio. Eu sempre fui muito a favor do nu não sexualizado. Talvez essa seja uma razão política para ter topado posar. Já tenho 34 anos, tenho minhas celulites, minhas coisas, nunca malhei na vida. Mas não tenho problema, principalmente porque o fotógrafo é meu amigo há 12 anos. É uma coisa muito natural. Não tive vergonha. Tabu? Minha família vai odiar o ensaio, mas, se eu acredito que tenho de estar nua pra mostrar que isso não necessariamente é vulgar ou sexual, eu vou ficar nua. Se eu tenho que ficar nua para mostrar que uma mulher depois dos 30 ainda está ok, bonita e gostosa…Tem que fazer. “Acho que corre no sangue a baianidade. Ser baiano não sai de dentro de você nunca” Bahia Morei lá até os 8 anos, aí vim morar em São Paulo. Acho que corre no sangue a baianidade. Vem do cabelo pixaim até o jeito de ser. Toca qualquer música e saio dançando. Ser baiano não sai de dentro de você nunca. Mesmo que eu tivesse nascido lá e morado aqui a vida inteira. Arte Tenho uma galeria. Caí na arte de paraquedas. Achava aquilo distante, elitizado, careta, muito diferente de mim. Meu contato com a arte foi depois de 12 anos trabalhando com publicidade. Aí fui estudando, estudando, mas também com esse lado informal de conversar com as pessoas. Comecei a questionar essa coisa da representação, aí vim com esse conceito da não representação, da hospedagem. Me atrai no mundo da arte quando o processo criativo não é pensado para o mercado. Isso é muito distante da alma de artista, essa alma despreocupada. Manifestações Não sou ativista. Mas também não faço politicagem, no sentido de fazer algo que vá agradar o outro. Faço o que é certo, luto pelo que acredito. Eu estava em Salvador quando teve a grande manifestação que lotou a Faria Lima [em São Paulo, no dia 17 de junho do ano passado]. Lá foi “queremos pagar menos pelo busão”. Fui pra rua. É difícil pôr a cara pra bater, é difícil ser perseguido. Mas manifestar sua verdade vai inspirar outras pessoas, tocar outras pessoas. Isso é importante. Agradecimentos Roberto Pessoa/ Ricardo Melegatti/ StudioARQBR/ Fawsia Borralho/ Tubi Schiavetti/ Loungerie/ Tadeu Melegatti
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Natalia Scabora
É ela quem recebe os frequentadores de uma festa que começa às 5 da manhã e vai até o meio-dia, todo domingo, em São Paulo. Natalia Scabora se despe de toda a produção da balada e conta sua história Domingo após domingo, Natalia Scabora acorda antes de as mais carolas senhoras irem à missa e troca o baby-doll pela roupa mais bonita do armário. Em frente ao espelho, marca seus olhos mouros e solta o riso fácil. Em pouco tempo, já está na boate D-Edge recebendo seres incansáveis em busca do último espasmo da noite paulistana ou, quem sabe, em busca de um encontro com ela. “A festa que eu faço começa às 5 horas da madrugada e vai até o meio-dia, todo domingo”, conta. Sua religião baladeira começou na adolescência, quando se embrenhava nas casas e nos clubes noturnos da cidade. O gosto virou profissão e hoje, aos 27 anos, Nat trabalha como hostess e promoter. Anos antes, quando criança, brincava com a irmã no bairro do Ipiranga e viajava muito para o interior do Paraná. No sítio da família, a garota punha o pé descalço na terra. “Eu ia pra cachoeira, subia em pé de laranja e de jabuticaba, corria atrás das galinhas, essas coisas de criança!” Nat mantém a meninice e o contato com os bichos. Quando pode, anda de patins e passeia no parque. E tem cinco gatos e um cachorro, que acalmam a moça no seu apartamento. “Gosto de ficar em casa por conta dos meus bichos”, diz. Ela mora com a irmã há três anos. Não tem namorado, embora essa tenha sido a razão da primeira aventura fora da casa dos pais, aos 19 anos. “Não deu certo, voltei, mas não me acostumei mais.” Nat estudava administração e ganhava seu dinheiro. A casa grande onde brincara ficou pequena e a moça pôs o bloco na rua novamente. A família tem apoiado suas escolhas, do sonho de abrir um brechó a fazer este ensaio. "O corpo da mulher é uma imagem bonita", ela diz Desde sempre, a família apoiou suas escolhas, do sonho de abrir um brechó até fazer esse ensaio. “O corpo da mulher é uma imagem bonita”, diz ela, cuidadosamente modesta. Nat diz que achou mais difícil posar para nossas lentes do que fazer festas. “Mas é um trampo também!”, alerta a moça sob o resto da luz da tarde. Em breve a noite chega, ela se veste e parte. Quem dera encontrar Natalia toda vez que o sol nasce – e toda vez que ele se põe.
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